publicado em 24 de Fevereiro de 2015 às 13:15 - Notícias

SUS: um poema épico

Arquivo CEBES

Nelson Rodrigues dos Santos

Fev/2015

Em mensagem anterior aos companheiros do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, lembrei várias derrotas desse movimento e do SUS. Dias após me veio á lembrança e sensação, o poema que há quase um século Vladimir Maiakóviski nos legou:

“Na primeira noite eles se aproximam
E levam uma flor do nosso jardim
E não dizemos nada…
Na segunda noite, já não se escondem:
Pisam as flores, matam nosso cão
E não dizemos nada…
Até que um dia o mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e,
Conhecendo o nosso medo, arranca nossa voz da garganta.
E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada”.

Declamaremos adiante o “poema” da sucessão de derrotas impostas ao SUS e à sociedade sob a ótica revelada por Maiakóviski, mas desde já destacamos um diferencial: a incontestável acumulação de avanços no SUS, quanto à realizações concretas, à formulação de estratégias e à coerência com os postulados constitucionais da Universalidade, Integralidade e Equidade. Essa acumulação vem se dando a duras penas, com dedicada persistência, criatividade e confiança no futuro dos 25 anos do SUS, o que redundou em centenas de focos ou nichos de excelência e “expertise” no território nacional, nas áreas da Atenção Básica á Saúde até o Transplante de Órgãos e Tecidos, passando pela Vigilância em Saúde, pelo controle da AIDS e pela atenção nas áreas da saúde mental, saúde do trabalhador, urgências e os hemocentros. Estas centenas de focos e nichos são testemunhas de que no caso da Reforma Sanitária e do SUS, eles chegam perto mas não conseguem roubar nossa lua nem arrancar nossa voz da garganta. Eis o “poema” de 14 estrofes:

→ Entre 1.964 a 1.984 eles sucatearam a rede hospitalar e ambulatorial própria da nossa Previdência Social − a de melhor qualidade em nosso país – e passaram a comprar massivamente por produção, serviços na rede privada, além de fomentar com recursos públicos, grande ampliação da rede privada hospitalar e ambulatorial. Não contentes, eles privilegiaram com renúncia fiscal do Imposto de Renda (subsídio público) as pessoas jurídicas e físicas no mercado liberal e empresarial da assistência á saúde.

→ No início dos anos 90 eles golpearam drasticamente o financiamento federal do SUS (descumprindo os 30% do orçamento da seguridade social para o SUS e retirando o Fundo Previdenciário da base de cálculo da parcela federal), levando a drástico desinvestimento na rede pública hospitalar e ambulatorial de média e alta complexidade.

→ Nos anos 90 eles exacerbaram os contratos públicos de prestadores privados de assistência especializada á saúde, pagos por produção, que de complementares perante a Lei passaram a substitutivos da rede pública.

→ Também nos anos 90 eles ampliam os subsídios ao mercado, com o co-financiamento público de planos privados para todos os servidores e empregados públicos, além da ampliação da renúncia fiscal na assistência privada para todos os trabalhadores formais do setor privado e sua estrutura sindical.

→A partir de 1.996, eles desviam a CPMF recém aprovada para o financiamento do SUS, para outros dispêndios da União, e criam a DRU que desvia 20% do orçamento da Seguridade Social também para outros dispêndios da União.

→ A partir de 1.998 eles permitem legalmente a aquisição de empresas nacionais de planos privados por capital estrangeiro (caso da AMIL e Intermédica) assim como descumprem o ressarcimento ao SUS dos serviços públicos de saúde prestados aos consumidores de planos privados.

→ Em 1.999 e 2000 eles criam as OS e OSCIP, entes privados para gerenciarem hospitais, ambulatórios e laboratórios públicos.

→ Em 2000 eles limitam drasticamente, por lei, as contratações na base do SUS, e obrigam somente os Estados, DF e Municípios a destinarem % mínima da sua arrecadação ao SUS (12% e 15%).

→ Em 2004 eles impedem a vitória do histórico PLP nº 01/2003 que dispunha sobre o equivalente a 10% da Receita Corrente Bruta da União para o SUS, os repasses federais equitativos e a regionalização.

→ Nos anos 2000 eles fomentam financiamento barato e facilitado para ampliação de hospitais privados e sofisticados de grande porte, e também para aquisição e construção de hospitais próprios das empresas de planos privados, inclusive pelo BID e BNDES.

→ Em 2013 eles ampliam para a COFINS e o PIS a renúncia fiscal para as empresas de planos privados, e emitem a PEC – 358 que constitucionaliza o drástico subfinanciamento federal ao SUS, em substituição do PLIP – 321 subscrito por 2,2 milhões de eleitores e dezenas de entidades da sociedade civil, que resgatava o equivalente a 10% da RCB.

→ Em 2014 eles aprovam a MP – 656 que legaliza (inconstitucionalmente) a abertura de toda a estrutura assistencial privada á aquisição pelo capital estrangeiro: trata-se de um “filão de ouro” de mercado de 55 a 60 milhões de consumidores de planos privados de saúde fortemente subsidiados com recursos públicos e com mensalidades entre 80 e 7.000 reais para assistência de média e alta densidade tecnológica. Trata-se também da etapa monopolista e globalizada da concentração do grande capital na assistência á saúde: as médias empresas comprando as pequenas, as grandes comprando as médias e conglomerando-se internacionalmente, submetendo os Estados Nacionais, regulando-os ao contrário de serem regulados.

→Acaba de ser anunciado que sob o pretexto de ação regulatória no mercado, eles incentivarão a expansão dos planos privados individuais em detrimento dos planos e acordos coletivos, satisfazendo velha aspiração das empresas de planos privados perante a maior força dos coletivos por seus direitos e a maior vulnerabilidade do indivíduo cidadão.

→ Como consequência final da estratégia hegemônica nos 25 anos do SUS, por eles implementada, temos hoje a “cobertura universal segmentada”: 25 a 30% da população que consome planos privados subsidiados, com per-cápita médio anual “privado” 3 a 4 vezes maior que o baixíssimo per–cápita “SUS” para toda a população. Como esses 25 a 30% utilizam os serviços e materiais do SUS em intensidade crescente, tanto na rotina como pelas ações judiciais individuais, é somado ao seu per-cápita “privado”, resultando um per-cápita 4 a 6 vezes maior que o dos 70 a 75% que não tem condições de comprar plano privado. A segmentação do acesso, qualidade e oferta é realizada também no conjunto dos consumidores: com mensalidade entre 80 e 7.000 reais. Essa “cobertura universal segmentada” construída em 25 anos, tripudia a Equidade e Integralidade: é o anti-SUS. Tem o Estado nacional, pelo menos na saúde, atuando como grande aparelho criador de mercado. Cabe duvidar se foi apenas simbólica a entrega pública á Presidência da República, no 2º semestre/2014, do livro Branco da Saúde elaborado pela empresa internacional Antares Consulting, aonde constam 3 níveis de gestão, 10 eixos estratégicos e 12 propostas, contratado pela Associação Nacional de Hospitais Privados – ANAHP.

As centenas de focos ou nichos de excelência e expertise no território nacional, inicialmente destacados, que resistem e acumulam avanços no SUS à luz da Universalidade, Integralidade e Equidade, são decisivos para futura retomada estratégica e efetivação da hegemonia na construção conjunta de todos os postulados constitucionais. Hoje são ainda, no volume do atendimento, do financiamento e na qualidade, a exceção. As estatísticas anuais globais dos bilhões de ações na Atenção Básica, na Média e Alta Complexidade, das centenas de milhões de exames diagnósticos, de duas centenas de bilhões de reais no financiamento e outras, impressionam e impactam, mas a única comprovação positiva é a surpreendente capacidade produtiva dos trabalhadores de saúde com tão poucos recursos públicos. A regra que preside essas estatísticas é a do atendimento massivo de demanda reprimida em todos os níveis. O encadeamento e direcionamento dessa massa de financiamento e atendimento sob a lógica da Equidade e Integralidade construindo a Universalidade, isto é, dos postulados constitucionais, é incompatível com as atuais estratégias hegemônicas na sociedade e no Estado. Por isso, a mera citação dessas estatísticas na mídia são em regra ufanistas visando falsa comprovação de que a Constituição está sendo cumprida na saúde.

Quem são eles? Eles e seus prepostos? De 1.964 a 1.984? Nos anos 90? E neste novo século? Qual o diferencial na Sociedade e na sua relação com o Estado entre 1.984 e 1.989?

Publicado originalmente no link: http://cebes.org.br/2015/02/sus-um-poema-epico/ 

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